Formatos para Transparência de Dados Públicos

Thiago Berlitz Rondon
Publicado em 01/03/2011

Formatos para Transparência de Dados Públicos

Um dos maiores problemas enfrentados pelo projeto OpenData está no formato em que a informação é disponibilizada pelo poder público. A lei diz que as informações devem ser expostas à população, mas não especifica como. Por essa razão, muitas vezes os esforços de transparência, tão valorizados pela Administração Pública moderna de nosso país, acabam sem a repercursão ou resultados esperados.

Como não fazer

Infelizmente, boa parte das informações são disponibilizadas em formatos ótimos para impressão individual ou leitura manual, mas de difícil análise e manuseio, e por vezes até em padrões proprietários. Um relatório em PDF pode ser muito elegante impresso, mas obriga o analista a aceitar a informação como está, ou perder horas - dias? - para fazer referências cruzadas, análises comparativas e estatísticas, o que efetivamente desperdiça e invalida todos os esforços de democratização e cidadania.

Embora existam técnicas de parsing e extração automática de informações em formatos de arquivos deste tipo - muitos dos quais discutidos nos demais artigos deste Equinócio - o ideal é que as informações sejam expostas pela Administração Pública da forma mais direta e bem estruturada possível.

Para um exemplo simples, considere o excelente site do Insituto de Segurança Pública (ISP) do Estado do Rio de Janeiro, que tornou públicas as informações acerca de incidências criminais no Estado. A iniciativa é fantástica, e com isso a Secretaria de Estado de Segurança espera "assegurar o máximo de transparência e o amplo acesso às informações relativas a notificações criminais".

Ao carregarmos a página com os dados oficiais, vemos que é possível baixar os dados de cada mês. O arquivo está em formato XLS, proprietário, mas ao menos soluções livres como o OpenOffice nos permitem acessar seu conteúdo. Abrimos a planilha de janeiro/2010, e nos deparamos com uma coleção completa de dados, com 44(!) abas detalhando as informações de cada AISP (Área Integrada de Segurança Pública). Os autores são cuidadosos o suficiente para incluir abas de resumo, com o índice estadual de ocorrências e dados condensados por RISP (Região Integrada de Segurança Pública), o que é ótimo.

No entanto, se quisermos saber, por exemplo, qual Área possui a maior incidência de homicídios culposos, precisamos olhar cada uma das 40 abas de AISP, procurar o índice em questão e anotar o maior manualmente. A automatização é até possível, mas depende que a informação esteja sempre disponível nas mesmas linhas/colunas em todos os documentos - ou com o mesmo rótulo.

Pode até ser simples fazer isso manualmente uma vez, mas se você quiser esse tipo de informação todo mês, ou fazer uma análise estatística de crescimento ou redução da criminalidade no estado ou região, estaria disposto a perder seu tempo com uma análise manual desse tipo todo mês? Nem eu.

A grande maioria dos portais de transparência sofre deste problema, de sites municipais ao governo federal. Portanto, se você é responsável pela transparência de dados do poder público, evite dispor seus dados em:

* PDF
* XLS
* DOC
* HTML

Ou melhor, não disponha a informação apenas nestes formatos. Arquivos para baixar ainda são ótimos para quem quer um dado pontual, resumo, ou apenas uma listagem simples. O verdadeiro poder da cidadania, no entanto, está na facilidade de extração e análise da informação exposta, o que não é possível nesses formatos com a qualidade e agilidade necessárias, características no processo.

Web Services

Uma alternativa mais interessante para a disposição de dados públicos é através dos chamados Web Services. Trata-se de um método simples e efetivo de comunicação e interação entre dispositivos via rede. Quando aplicado à portais de transparência, os web services permitem acesso imediato às informações disponibilizadas na forma de estruturas de dados bem-definidas, o que facilita enormemente a automatização dos processos de coleta e análise pela população.

Existem diversos estilos de Web Services, o mais popular hoje em dia chamado REST. Há excelente material disponível sobre REST e outros estilos, da estrutura à implementação, então vamos nos concentrar em mostrar como pode ser simples a exibição de dados e estruturas complexas nos principais formatos para API's web.

Um cenário

Suponha que o Instituto de Segurança Pública do Rio deseje implementar um Web Service para facilitar ainda mais o acesso às informações de incidências criminais em seu site. Os responsáveis criam um serviço REST simples na forma da URI:

     http://isp.rj.gov.br/api/ANO/MES/AISP/TIPO

De modo que, se quiséssemos a lista de registros de crimes violentos na região AISP7 em maio de 2009, bastaria acessar

     http://isp.rj.gov.br/api/2009/05/AISP7/crimes-violentos

e importar o resultado para nosso software de análise.

Em Mojolicious, criar esse tipo de rota é tão fácil quanto escrever:

   use Mojolicious::Lite;

   get '/:ano/:mes/:aisp/:tipo' => sub {
       ...
   };

   app->start;

e colocar o aplicativo respondendo em http://isp.rj.gov.br/api. Mas o foco deste artigo são os formatos em que os dados podem ser exibidos, então vamos lá. Para os exemplos a seguir, suponha que os dados tenham sido obtidos de um banco de dados qualquer e estejam em uma estrutura de dados Perl como essa:

   my $crimes_violentos = {
        'Roubo de aparelho celular' => 30,
        'Furto de veiculos'         => 72,
        'Extorsao'                  => 6,
        'Estelionato'               => 62,
   };

JSON

O formato JSON é extremamente leve e simples - a especificação cabe em apenas uma página! Sua estrutura é de fácil entendimento e usa convenções comuns em muitas linguagens de programação, o que facilita ainda mais sua integração.

Passar a estrutura de dados acima para JSON é muito simples:

   use JSON;

   my $json = to_json( $crimes_violentos );

Agora é só renderizar a variável $json, lembrando de definir o Content-Type da página para "application/json".

O resultado será algo como:

   {"Extorsao":6,"Estelionato":62,"Furto de veiculos":72,"Roubo de aparelho celular":30}




YAML

O formato YAML é uma tentativa de simplificar o XML, ofererendo um padrão de serialização de dados fácil de ser interpretado tanto por humanos quanto por programas.

Podemos passar a estrutura de dados anterior para YAML fazendo:

   use YAML::XS;

   my $yaml = Dump( $crimes_violentos );

Lembrando de definir o Content-Type da página gerada para "text/yaml" ou derivado.

O resultado será algo como:

   ---
   Estelionato: 62
   Extorsao: 6
   Furto de veiculos: 72
   Roubo de aparelho celular: 30




XML

XML foi um dos formatos padronizados mais populares para serialização de dados via rede. Hoje em dia, muitos desenvolvedores o evitam em Web Services REST, optando por alternativas mais simples como as acima. Ainda assim, o XML é um forte candidato, especialmente nos casos em que queremos validar o dado em questão, usando os chamados Schemas.

Supondo que o arquivo contendo o Schema de nosso XML está em "dados.xsd", podemos gerar um xml da seguinte forma:

    use XML::Compile::Schema;
    use XML::LibXML;

    my $doc = XML::LibXML->createDocument('1.0', 'UTF-8');
    my $schema = XML::Compile::Schema->new( 'dados.xsd' );

    my $xml = $schema->compile( WRITER => '{http://isp.rj.gov.br/api}dados' )
                     ->($crimes_violentos, $hash)
                     ->toString;




Há pouca vantagem em usar XML sem validação, mas isso também pode ser obtido com relativa facilidade.

Não esqueça de definir o Content-Type da página gerada para "text/xml"

A escolha é do freguês

A transformação de estruturas de dados nos formatos acima é tão simples que muitos frameworks web como Catalyst, Mojolicious e Dancer permitem que você especifique o formato através de um parâmetro de extensão na URI, como se fosse a extensão de um arquivo. Assim, podemos oferecer o mesmo serviço em diferentes formatos, conforme a preferência do sistema usuário.

No exemplo que estamos usando, a URI

   http://isp.rj.gov.br/api/2009/05/AISP7/crimes-violentos.json

poderia renderizar a saída em formato JSON. Já a URI

   http://isp.rj.gov.br/api/2009/05/AISP7/crimes-violentos.yaml

renderizaria essa mesma informação em YAML, e assim por diante.

Conclusão

A democratização e transparência dos dados da administração pública é sem dúvida louvável, e os órgãos responsáveis vêm fazendo um trabalho cada vez melhor na disponibilização de dados completos para análise da população. No entanto, a escolha de formatos apropriados para coleta de dados via web é fundamental para que esse processo possa ocorrer com a agilidade e eficiência necessárias.

autor

Thiago Rondon

blog comments powered by Disqus